Onde começa a cidadania

    

Artigo publicado na revista Brasil-Rotário, edição nº983 de maio/04

Onde começa a cidadania


 


Por Dirceu Ferreira*


 


As escolas de ensino fundamental, médio e superior devem estar voltadas à preparação de alunos pensando no futuro. Para que isso aconteça, a qualidade e o modelo de ensino vigentes em nosso país devem ser repensados.


 


Para sustentar essa afirmação cito alguns argumentos:




  •  a participação do Brasil na requisição de patentes está entre as menores do mundo;

  • pesquisas realizadas junto às empresas demonstram que grande parte dos profissionais no país chegam ao emprego com deficiências básicas;

  • a existência de vagas para quem tem qualificação está em oposição à alta taxa de desemprego;

  • os resultados do Provão no ensino médio estão demonstrando a mediocridade de nossos avanços. Ou seriam recuos? − sem ignorar que o Provão foi um ponta pé inicial positivo;

  • Estamos criando frustração nos nossos jovens, que tentam conquistar um espaço na sociedade;

  • a restrição econômica dificulta cada vez maior o acesso ao ensino de “boa qualidade”;

  • E, por último, o mais importante: as riquezas do futuro serão geradas com o conhecimento e não mais com a produção.

Diante destes fatos ficamos numa posição extremamente vulnerável em relação ao futuro. Se estamos na era do conhecimento, onde a perspectiva de geração de riquezas está intimamente ligada ao capital intelectual de uma nação ou empresa, e olharmos para o modelo educacional que temos, veremos que continuamos nos esforçando para, no máximo, chegar pelo menos atrás dos líderes, mas nunca na liderança.


 


Essa posição de “ficar correndo atrás” das nações desenvolvidas,  pode ser revertida se começarmos a nos mover agora e colhermos os frutos na próxima geração. Essa demora é exatamente o motivo do descaso político e econômico em relação a esse teme no Brasil. As ações na educação não geram retornos eleitorais e financeiros a curto prazo. Muitos políticos gostam de construir escolas porque isso dá visibilidade política.


 


No campo privado, vemos que as projeções dos futurólogos falam sobre a importância  que a educação continuada tem para os profissionais de nível gerencial e superior. Bastas olharmos a febre mundial de MBAs e o corrente descaso com os níveis médio e fundamental..


 


Isto é ruim? Não, mas é apenas o mínimo a ser feito. Esses esforços ainda são incapazes de  nos transformar em uma nação líder. Em países como o Brasil, ações desse tipo são apenas uma pequena parcela das oportunidades possíveis. Nossa educação fundamental e média não está preparando os jovens para o futuro que os espera. Estamos condenando-os a permanecer como escravos do eterno paradigma das indústrias instaladas para a geração de empregos baratos – e esse período já acabou, é só olhar para a região do Grande ABC) em São Paulo. Nossa educação ainda está voltada para a era industrial, num momento em que o mundo já passou pela era da informação e está na transição para a era do conhecimento.


 


Nossos jovens desejam apenas conquistar um emprego? Por que será que as formas ilícitas de gerar riqueza – como tráfico de drogas, contrabando, falsificação, entre outras –  cresceram tanto nas últimas décadas? Considerando-se o baixo nível intelectual de nossa população, estas não seriam as formas de se ganhar mais dinheiro e de com mais dignidade, na opinião de muitos? A escolha dessas pessoas está entre ganhar um salário mínimo dentro da lei, como faxineiro ou trabalhando no comércio, ou faturar uma “bolada” com um “servicinho” de levar daqui para lá – dinheiro que muitos precisariam de 15 anos para juntar trabalhando legalmente.


 


Desculpem-me os nossos líderes, mas precisamos de outra coisa, além de postos de trabalho: precisamos construir uma nação rica, e isso começa na escola. Onde estão os valores que constroem, que nos fazem lutar por alguma coisa? Estão escondidos em nossos pensamentos, indignados e mediocrizados com o dia a dia, desvalorizados pela mídia e perdendo força, porque sobreviver tornou-se mais importante que viver com dignidade. Nos violentarmos em  nossos valores tornou-se algo tão natural e necessário para sobreviver que a impunidade virou regra.


 


Não basta oferecer vagas nas escolas, construindo mais salas de aula na rede pública. Podemos resolver os problemas usando a massa cinzenta que Deus nos deu, e lembrando que qualquer idéia somente se tornará realidade se existir uma visão comum entre as partes envolvidas. Para conquistarmos isso, será necessário lideranças que pensem diferente, que ousem, que queiram evoluir e não apenas manter seu patrimônio pessoal, sobrevivendo com regalias. O que precisamos  é de uma gestão voltada à educação de olho no futuro.


 


Voltando à era do conhecimento, quem vocês acham que serão as economias líderes do futuro? Seria muita pretensão advinha-las, mas algumas perguntas podem esclarecer a questão: quem está a frente do projeto Genoma? Quem está a frente no uso da bioengenharia? Resposta: as nações que valorizam a educação como forma de desenvolvimento, e que sonham e traçam seus objetivos.


 


Mas qual é o tipo de educação precisamos? Para responder esta pergunta, teremos primeiro que começar a trabalhar a sua discussão nas escolas, criando uma visão sobre onde queremos chegar. Em segundo lugar, é preciso avaliarmos: por que normalmente perguntamos às nossas crianças o que elas querem ser quando adultas, se a resposta é geralmente baseada no seu ambiente atual? Por que não ensinamos às crianças a prática da visão, da construção de cenários, e a pensar no futuro para que não cheguem lá na frente com pensamentos e ferramentas do passado? Isto vai agregar valor ao mundo.


 


Aonde queremos chegar: na liderança ou no papel de coadjuvante de uma grande potência econômica? Mas como chegar na liderança? Precisamos mudar nossas concepções do que são: gestão escolar, aulas, professores, alunos, pais, enfim, escola: de tudo que diz respeito à escola, à educação e à comunidade.


 


Você já pensou que daqui a uns anos nossos filhos estarão num mundo com muito mais gente, muito mais competitivo do que o nosso, e que suas chances nesse mundo serão menores que as nossas hoje em dia?. Espero que meus filhos tenham um futuro melhor que o meu. E você?


 


Educação sem "valores” e “visão de futuro” é o mesmo que tomar café instantâneo:  ninguém gosta, não rende e só dá resultado para o fabricante do produto. 

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